Inovação Legal na Defesa das Mulheres: Decifrando a Lei Não é Não - Frozi & Pessi Escritório de Advocacia - Vacaria e Região
07/01/2024

Inovação Legal na Defesa das Mulheres: Decifrando a Lei Não é Não

 

  1. Introdução: O Avanço da Lei 'Não é Não'

 

                          Foi recentemente sancionada pelo atual Presidente da República, em 29 de dezembro de 2023, a Lei n.º 14.786/2023, que criou o chamado protocolo “Não é Não”. A lei passa a viger após 180 dias de sua publicação. Portanto, é oportuno entender seus principais aspectos. É o que este artigo se propõe a fazer.

                          O protocolo 'Não é Não' teve inspiração internacional, incluindo o protocolo 'No Callem' da Espanha, desencadeado pelo caso de Daniel Alves, e a campanha 'Ask for Angela' no Reino Unido. Além de países como Alemanha e França.

No Brasil, o Estado e o Município de São Paulo já possuíam legislações com objetivos similares. Mais especificamente o Estado de São Paulo[1], por meio da Lei Estadual 17.621[2] e seu Decreto Regulamentar n.º 67.856[3], como também o Município de São Paulo[4], já haviam dispositivos legais vigentes com intuitos análogos.

 

  1. Da Natureza Jurídica da Lei

 

                          Tratando-se de proteção à mulher pode se ter uma falsa impressão de que estamos falando de mais uma legislação penalizadora. No entanto não é. Ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, a lei "Não é Não" não modifica os Códigos Penal, Processo Penal, Lei de Execução Penal e, nem mesmo, a Lei Maria da Penha. Seu ideal, seria mais correto dizer, é estabelecer conjuntos de procedimentos específicos para serem seguidos pelos estabelecimentos em eventuais incidentes, como discutiremos mais adiante. 

Sua essência reside, portanto, na implementação de protocolos para a mais imediata proteção e garantida de efetiva punição em casos de violência ou constrangimento contra mulheres em locais públicos.

                          Embora não crie novos crimes, os procedimentos terão seu lugar de destaque na ceara penal, possibilitando a busca efetiva da materialidade e autoria de eventuais crimes contra a mulher.  

                          Com efeito, a proteção à mulher agora estende-se para além do meio familiar.

 

                          Neste contexto, os estabelecimentos emergem como protagonistas fundamentais, atuando como os primeiros interventores na situação, ou “first responders”.

 

  1. O Papel Pioneiro dos Estabelecimentos como Primeiros Agentes de Ação

 

                          Como se vê, o protocolo de defesa da mulher, trazido pela nova lei, implica em uma verdadeira convocação dos atores administrativos de diversos ambientes públicos a desempenhar um papel ativo e concreto no auxílio à defesa das mulheres em ambientes sociais.

                          Este novo papel traz consigo a necessidade de adaptação e responsabilidades que estes ambientes deverão seguir.

                          Primeiramente, a expressão 'first responder', que muito se ouvirá, pode se traduzir como sendo o primeiro agente de resposta.

                          No contexto desta lei, os estabelecimentos, sendo first responders, devem estar preparados para agir prontamente no auxílio e proteção na vítima, e outros obrigações, como preservar evidências e manter as gravações de câmeras de segurança, que agora devem ser mantidas por no mínimo 30 dias. Sobre isso, para maior clareza, seguiremos com o que diz os artigos correlatos da lei.

                          Para a lei, os "First Responders" serão os estabelecimentos e suas equipes, que passarão agora a desempenhar atividades específicas.  Esta nova atribuição traz consigo a necessidade de adoção de algumas medidas, conforme delineado nos artigos 6º e 7º da lei, que passaremos a analisar pontualmente.

   

  1. Da Qualificação da Equipe (Art. 6º, I):   Traz a obrigação aos estabelecimentos de terem em sua equipe ao menos uma pessoa com qualificação para atender ao novo protocolo.
  2.  Da Informação e Da Comunicação (Art. 6º, II): A legislação impõe agora aos estabelecimentos a função de serem centros de orientação ativa. Deve haver clareza na exposição de como ativar o protocolo 'Não é Não', além da disponibilização de contatos essenciais para situações de emergência.
  3. Da Assistência à Vítima (Art. 6º, III e IV): A lei atribui aos estabelecimentos um papel proativo na proteção. Eles devem avaliar e responder às necessidades das vítimas, tomando ações imediatas, como a isolamento do local do evento.
  4. Da Gestão de Evidências (Art. 6º, V): Este artigo designa aos estabelecimentos a responsabilidade de preservar provas importantes, mantendo as gravações de segurança por um tempo mínimo estabelecido.
  5. Dos Direitos da Denunciante (Art. 6º, VI): A legislação assegura a plena proteção dos direitos das denunciantes, promovendo um ambiente de respeito e segurança.
  6. Das Ações Discricionárias (Art. 7º): A lei possibilita aos locais a adoção de medidas adicionais que reforcem a segurança e a dignidade das mulheres, incentivando iniciativas como códigos de emergência e a remoção de agressores.

                          Este conjunto de obrigações coloca os estabelecimentos como agentes ativos na prevenção e no combate ao assédio e à violência contra mulheres, expandindo a proteção para além do âmbito familiar e adentrando o espaço público, exceptuado os cultos religiosos.

                          Os estabelecimentos podem ter seus próprios protocolos e orientações, o que já vem ocorrendo por meio de inciativa própria e em conjunto com associações. 

                          O constrangimento está expresso na lei como uma das agressões, podendo ser observada no sentimento de angustiada, tolhimento de sua vontade, constrangimento, ou algum ato que esteja a colocando em situação de vergonha. Obviamente já há legislação penal que prevê a pratica criminosa por ações desse tipo, mas o importante aqui é a expressão por meio de lei da negativa da sociedade em ações que se viole a liberdade sexual do outro. 

                          A lei também destaca a importância do atendimento célere e respeitoso à vítima, incluindo o afastamento do agressor e a garantia de um transporte seguro para casa.

                          O descumprimento desta nova legislação pode resultar em advertências, multas e, em casos de reincidência, na interdição do estabelecimento. Isso reforça a seriedade com que o Brasil está tratando a questão da violência contra mulheres em espaços de diversão[5].

 

  1. Uma Breve Leitura da Letra da Lei 14. 786/23[6]

 

              Por ser recente a publicação da lei, ainda é escasso o posicionamento doutrinário.

              Portanto, em especial à necessidade de entendimento daqueles que gerenciam de alguma forma bares, pubs, restaurantes, espaços de eventos musicais, estabelecimentos de eventos esportivos, centros de conferência e exposições, hotéis e resorts, clubes sociais e recreativos, etc, entendemos ser mais esclarecedor, neste momento, fazer uma leitura dos artigos da lei e, se conseguirmos atingir nosso objetivo, desta forma levar um pouco de entendimento ao público.

Artigo 1 e 2: Estes dois artigos iniciais fundamentam a lei, estabelecendo o protocolo "Não é Não" com o objetivo de prevenir e combater o constrangimento e a violência contra mulheres em ambientes como casas noturnas e shows​​, ressaltando o foco em ambientes de lazer onde há venda de bebida alcoólica. Uma particularidade relevante é a exclusão de sua aplicação em eventos religiosos.

Artigo 3: Traz a definição de constrangimento e violência.  Insistências indesejadas até atos que resultem em lesões ou danos, conforme a legislação penal em vigor​​ são atos assim definidos. A definição nos parece ser propositalmente ampla para abarcar diversas formas de violência de gênero.

Artigo 4: Apresenta-nos os princípios do protocolo, incluindo o respeito ao relato da vítima, a preservação de sua dignidade e integridade, e a necessidade de uma resposta rápida e eficiente​​

Artigo 5: Enumera os direitos da mulher sob o protocolo, enfatizando a proteção imediata, o direito à informação sobre seus direitos, e o acompanhamento por uma pessoa de escolha​​. Pretende com isso assegurar às vítimas suporte e autonomia durante o processo de denúncia e atendimento.

Artigo 6: Já objeto de análise anteriormente, este artigo detalha as obrigações dos estabelecimentos, incluindo a presença de pessoal qualificado para atender ao protocolo e a preservação de imagens de segurança por 30 (trinta) dias​​.  Visa garantir que os estabelecimentos estejam preparados para responder adequadamente a incidentes.

Artigo 7: Conjuntamente com o artigo 6º, já objeto de análise anterior, este artigo permite   que os estabelecimentos possam adotar medidas adicionais, como a criação de códigos de ajuda divulgados nos banheiros femininos​​. Esta disposição permite que os locais inovem em estratégias de proteção, sozinhos ou, porque não, conjuntamente com suas associações e entidades afins.

Artigo 8: Incentiva o envolvimento do poder público através de campanhas educativas e treinamentos, fortalecendo a cultura de prevenção e resposta à violência contra mulheres​

Artigo 9: Institui o selo "Não é Não - Mulheres Seguras" e uma lista de locais seguros, recompensando estabelecimentos que sigam o protocolo​​. Este incentivo é uma forma de promover boas práticas entre os estabelecimentos.

Artigo 10: Estabelece penalidades para o descumprimento do protocolo, incluindo advertências, revogação de selos e multas​​.

Artigo 11: Amplia o escopo da lei, integrando suas disposições na Lei Geral do Esporte, garantindo a proteção das mulheres também em eventos esportivos​​.

 

  1. Conclusão

 

                          O texto da nova lei mostra um significativo na proteção das mulheres.  Não apenas responde aos anseios por uma maior segurança feminina nos espaços de entretenimento, mas também reflete um movimento maior de conscientização sobre a violência de gênero em consonância com movimentos já adotados em outros países e até mesmo em estados brasileiros, como mencionamos.

                          É um marco que vai para além da penalização, inserindo na esfera social a responsabilidade compartilhada dos estabelecimentos na prevenção e resposta a esses incidentes.

                          É importante mencionar que, embora a legislação penal já preveja punições para ações criminosas em relação aos atos previstos na lei em comento, o foco da nova lei é estabelecer uma condição mais proativa de normas sociais de respeito e proteção. O legislador foi além da penalização, inserindo na esfera social a responsabilidade compartilhada dos estabelecimentos mencionados

                          Destarte, é notório que ainda um embrião, necessária será para sua implementação efetiva, a participação da sociedade na criação de protocolos mais detalhados, por exemplo, por entidades como Ministério da Justiça e Segurança, Secretaria de Segurança da Mulher, tutti quanti, para que se estabeleçam diretrizes claras, também sobre a aderência e permanência dos estabelecimentos ao protocolo e ao selo "Não é Não" com eficácia e comprometimento.

 

Autor: Wagner de Andrade Frozi

OAB/RS n.º 71.705

Advogado – Frozi e Pessi Escritório de Advocacia

Data: 07/01/2024

 

 


[1] “A partir de agora, bares, restaurantes, espaços de eventos, hotéis e estabelecimentos do setor de lazer deverão prestar auxílios previstos no novo protocolo diante de qualquer pedido de socorro ou suspeita de caso de assédio, violência ou importunação sexual.” Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/sp-lanca-protocolo-nao-se-cale-e-campanha-de-combate-a-violencia-contra-mulheres/. Data do acesso: 04/01/2024.

[2] Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2023/lei-17621-03.02.2023.html Data do acesso: 04/01/2024.

[3] Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2023/decreto-67856-01.08.2023.html Data do acesso: 04/01/2024.

[4] “A campanha teve início no dia 20 de novembro e vai até o dia 11 de dezembro em diversas regiões do Estado. O Protocolo Não Se Cale tem origem na Lei estadual nº 17.621/2023, que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotar medidas de auxílio à mulher que estiver em situação de risco.” Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/novo/blog/assedio-e-a-violencia-sexual-protocolo-estadual-nao-se-cale-e-apresentado-na-camara/ Data do acesso: 04/01/2024

[5]  ARAÚJO, Janaína. "Lei 'Não é Não' Protege Mulheres em Espaços de Diversão". Rádio Senado, 02/01/2024, 18h47. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/01/02/lei-nao-e-nao-protege-mulheres-em-espacos-de-diversao. Data do acesso: 04/01/2024

[6] Lei nº 14.786, de 28 de Dezembro de 2023. Cria o protocolo “Não é Não” para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima, bem como institui o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 28 dez. 2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2023/lei/L14786.htm. Acesso em:  04/01/2024.Parte superior do formulário

 


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