Do Pacote Anticrime (Lei n.º 13.964/2019) e as Respectivas Alterações no Código Penal Brasileiro
Vigente desde 23 de janeiro de 2020, a nova lei trouxe profundas mudanças à persecução penal no Brasil, com alterações significativas também no Código Penal Brasileiro.
Este artigo trata das alterações do pacote anticrime, lei n.º 13.964/2019, que trouxe profundas mudanças na persecução penal, alterando artigos, sistemáticas, inovando e atualizando diversos ordenamentos jurídicos. Após falar das profundas mudanças no Código de Processo Penal (veja em[1]), agora, trazemos as alterações no Código Penal, de forma direta, artigo por artigo.
A primeira alteração dirige-se ao instituto penal da legítima defesa, constante no art. 25 do Código Penal, onde em seu parágrafo único institui agora que, observados os requisitos do caput, considerar-se-á também em legitima defesa o agente de segurança pública que repelir agressão contra vítimas mantida como refém durante o decorrer da prática criminosa.
Houve, portanto, a inserção do parágrafo único no artigo 25[2] do CP, que regula as hipóteses excludentes de ilicitude previstas no art. 23[3] do mesmo códex.
A segunda alteração impacta o art. 51 do código, que trata da pena de multa. Prevê agora que a pena de multa será executada pelo juízo das execuções penais, sendo considerada dívida de valor, aplicando integralmente as normas atinentes às dividas ativas junto à Fazenda Pública, inclusive, no que disser respeito às causas interruptivas e suspensivas da prescrição[4].
O tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade foi alargado de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos[5].
Para efeito da unificação, agora, tendo o indivíduo várias condenações, somam-se as penas para atingir o tempo máximo de 40 (quarenta) anos, desprezando-se o que exceder ao limite legal agora ampliado[6].
A nova lei alterou requisito para concessão do livramento condicional e modificou a forma de sua disposição, sendo agora em alíneas. São eles: bom comportamento durante a execução da pena, não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto.
A inovação relevante fica por conta do requisito da alínea III: não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses[7].
A recente lei trouxe ao Código Penal o art. 91-A, dizendo que: na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda de bens tidos como produto ou proveito do crime, correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
Para efeitos da perda de bens que ultrapassem o que pode ser constatado como proveniente de atividade lícita, o § 1º descreve que se entenderá como patrimônio do condenado todos os bens de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
Em sua defesa o condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. A lei parece mencionar o óbvio no § 2º do referido artigo, uma vez que seria inimaginável que o Réu não pudesse defender-se neste ponto.
Ainda, prevê que a perda de bens aqui em comento deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, já no momento da denúncia, com a indicação da diferença apurada.
Seguindo, quanto às organizações criminosas e milícias, refere que os instrumentos por esses grupos utilizados para a prática de crimes, deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da justiça onde tramitar a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes[8].
Trata-se, como se sabe, dos casos em que a prescrição não corre, ou flui.
A nova lei 13.964/2019 trouxe algumas novidades e modificações, com forma, também, de harmonizar o sistema com as outras alterações trazidas. Como é o caso do inciso IV do art. 116, que afirma não correr o prazo da prescrição penal, enquanto não rescindido o também novíssimo instituto processual penal do acordo de não persecução penal.
Ainda, segundo a lei, não corre a prescrição enquanto o agente cumpre pena no exterior, na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis[9].
A lei inclui mais um parágrafo ao artigo 141 do CP, o § 1º. Em verdade parágrafo único, por enquanto, em razão do veto do § 2º. Agora, aumentar-se-ão em dobro as penas cominadas no capítulo atinente aos crimes contra a honra, se o delito for cometido mediante paga ou promessa de recompensa[10].
Quanto ao crime de roubo houve duas pequenas alterações: a do inciso VII do § 2º, que insere no ordenamento mais uma causa de aumento de pena referente ao uso de arma branca como meio para o exercício da violência ou grave ameaça; e a inserção do § 2º, “b”, que prevê aplicação em dobro da pena prevista no caput, se a violência ou grave ameaça for exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido[11].
Quanto ao crime de estelionato, temos a criação do parágrafo 5º, que o torna um crime que se procede, agora, em regra mediante representação, ressalvadas as hipóteses dos incisos do mesmo parágrafo, caso em que a ação continuará sendo pública incondicionada[12].
Perceba que a alteração de ação penal pública incondicionada para ação penal condicionada à representação é mais benéfica ao réu, portanto, retroagindo para beneficiá-lo.
A alteração trazida no crime previsto no art. 316 do CP fica por conta apenas do aumento da pena máxima, agora com previsão de 12 (anos) de reclusão[13].
São estas, portanto, as alterações trazidas ao Código Penal Brasileiro, por meio da Lei n.º 13964/19, chamada de pacote anticrime. Devido ao grande número de vetos, ainda há muito o que se esperar sobre a nova lei. O ordenamento mais afetado foi o Código de Processo Penal, com alterações e inovações muito interessantes, e sobre as quais já falamos e remetemos na primeira nota de rodapé do presente artigo.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. ↑
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. ↑
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. ↑
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. ↑
Art. 75, § 1º: Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. ↑
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; III - comprovado: a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto; ↑
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito: § 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória; § 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio; § 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada; § 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada; § 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.
Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no exterior; III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. ↑
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria; IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. § 1º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. ↑
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro; § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: I – (revogado); II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância, IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade, VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego, VII - se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca; § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo, II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum, § 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. § 3º Se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. ↑
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I - a Administração Pública, direta ou indireta; II - criança ou adolescente; II - pessoa com deficiência mental; ou IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. ↑
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.